quinta-feira, 20 de junho de 2019

5 poemas de Jorge Emil publicados no "Suplemento Literário de Minas Gerais", nº 1.379, julho/agosto de 2018


5 POEMAS DE JORGE EMIL 


(Publicados no Suplemento Literário de Minas Gerais, nº 1.379, julho/agosto de 2018)



EDIFÍCIO PSÍQUICO

A Inveja é só vileza. Veja que desonesta:
à espera da ocasião, ela espreita pelas frestas
do porão, sempre prestes a enfiar a mão
ao nível da rua e causar o tropeção, o berro,
a queda no barro e a cara no chão. No térreo,
a Misantropia filtra e barra, porteiro férreo;
ninguém entra, ninguém tenta, sem autorização.
Luxúria abriu um café de luxo na sobreloja,
para onde a Gula foge e dissipa suas posses.
A Dor, espécie de inspetor em transe, transita
incessante pela escada, e não pelo elevador,
tentando desfalecer de exaustão e estupor
(por motivo de peso excessivo da Preguiça,
elevadas vezes esse elevador enguiça).
Em seu andar, o Orgulho pisa em falso, dança valsas
ou então pega pesado e marcha, muito macho;
não recebe reclamações do vizinho de baixo,
porque ele é o Medo, chefe da segurança.
A Coragem nunca obtém nem vaga na garagem,
porém o Ódio, aquartelado em quatro pisos,
quebra de quando em quando o quadro de avisos.
É pena que ninguém se veja na penumbra, cruzes!
A Avareza esmaga despesas quando apaga as luzes.
No canto mais escuro do quartinho de limpeza,
o que lampeja talvez seja a Compaixão, que dó!,
entre o balde, o alvejante e o sabão em pó.
O Amor cuida da carga de cada extintor
e das saídas de emergência, enquanto a Culpa
ocupa a cúpula, de onde a tudo administra,
desfrutando uma vista muito vasta e sinistra.





HIPÓTESE

Olhar o chão do banheiro
é pensar que o pesadelo
é pensar que o mundo inteiro
pode acabar em cabelo,
mais do que em fogo ou em gelo.

Vento revolve o terreiro.
Vai-se formando um novelo
que sai rolando, ligeiro.
(Por volta de cem mil pelos
em uma só cabeleira!)

Abre-se o sétimo selo.
O camelo passa pelo
buraco da agulha e ei-lo
sobre um fio de cabelo
entre zilhões no palheiro.





COMO SE NÃO

Contando com os acréscimos,
crescemos, quem sabe, décimos.
Mas, como se não soubéssemos
que não passamos de péssimos,
prosseguimos sereníssimos,
sabendo que, em suma, somos
como se não existíssemos.





RECURSOS ENERGÉTICOS DE EMERGÊNCIA

O esqueleto estagnado em sua área
esqueceu qual é o jeito de andar e a
vista não distingue nem cor primária.
Já não existe miséria que altere o
que o cérebro expulsou pro espaço aéreo.
Mas, até que um prodígio cure-a, fure-a,
que fonte de força ainda é a fúria!
Necessário evitar que se evapore o
volume morto do reservatório
de águas passadas sobre o pior da história
pra que o olho chore a mágoa e explore-a,
máxima. A mágoa mantém a memória.





O SEGUNDO COLOCADO É O PRIMEIRO PERDEDOR,
o número 1 da Fórmula 1 formulou,
é forçoso admitir, com humor único.
Sim, só dá pé pra quem está na dianteira.
A todo o resto, o que se dá é pé na bunda.
Quisera ser profundamente de primeira.
Sou, porém, primordialmente de segunda,
segundo o veredicto de um terceiro
que se crê terceirizado e autorizado
por algum tribunal da trindade divina,
também tratada como divindade trina,
una e velha como esse velho e bom
aparelho de som do tipo 3 em 1
a tocar bem alto o quarteto de cordas
que te põe de quatro mas a mim me acorda
e me encoraja a querer cobrar o quinto
lá nos infernos de quinta categoria
onde o sexto sentido acusa que há
meia dúzia de bichos de sete cabeças
julgando-se legião e jurando guardar
um sétimo céu muito além de sete palmos.