sexta-feira, 26 de novembro de 2010

Devoção ao devaneio


Devo tudo ao devaneio.
Devaneio me resolve.
Amei-o desde o início,
ao deparar o primeiro
chato fazendo comício
em meus ouvidos tão jovens.
Veio então o devaneio
e voei até Varsóvia.

Veraneio sempre à mão.
Meu recurso. Meu recreio.
Usufruo sem receio
de que alguém me desaprove.
Provo todo devaneio,
sobretudo quando chove.
Devaneio me absolve,
sobretudo quando odeio.

Livro incrível que releio
num banheiro invisível.
Freio ao tédio que revolve
um calibre de revólver.
Delírio, não. Devaneio.
Ele me comove em cheio.
E me remove. Pro meio
do século dezenove.

Do livro O olho itinerante, de Jorge Emil, Editora Record, 2012

domingo, 4 de abril de 2010

Bem no meio do pátio


Ô geringonça. Começou desengonçada.
Traste. Não se trata de desgaste:
tão logo foi ligada, já era esse trambolho.
Trabalha nem-sei-como, dá trabalho
pra mil mouros. Estoura, estala, solta bolhas.
O dia todo — óleo e olho — é repará-la, ou maquiá-la,
maquinaria precária, preparada pra parar.


Do livro O olho itinerante, de Jorge Emil, Editora Record, 2012